quarta-feira, 29 de maio de 2013

Poeira de Ideias

Quincas Borba, o amigo cão de Rubião no conto de Machado de Assis. São dele as poeiras de ideia. Em determinadas circunstâncias da vida poderíamos todos ser tomados por sentimentos tão intensos mas que logo passariam, que ao sinal de um primeiro estalinho de dedos, estaríamos prontos a servir novamente, a sorrir novamente. Hoje é dia de luto. Doido para ser o Quincas Borba, ou qualquer vira-lata. Não para fugir de sentimentos profundos, mas que eles sejam efêmeros. E entender melhor o processo da vida. Viva Dona Rosa! Vida Dona Rosa! Força a todos os que ficam. Que fiquem os seus melhores momentos.

*Dona Rosa em seresta! - vídeo gravado por Oswaldo Rajão.

Leonardo S. Faria 

"...Machucado, separado do amigo, Quincas Borba vai então deitar-se a um canto, e fica ali muito tempo, calado; agita-se um pouco, até que acha posição definitiva, e cerra os olhos. Não dorme, recolhe as idéias, combina, relembra; a figura vaga do finado amigo passa-lhe acaso ao longe, muito ao longe, aos pedaços, depois mistura-se à do amigo atual, e parecem ambas uma só pessoa; depois outras idéias...
Mas já são muitas idéias,-são idéias demais; em todo caso são idéias de cachorro, poeira de idéias, - menos ainda que poeira, explicará o leitor. Mas a verdade é que este olho que se abre de quando em quando para fixar o espaço, tão expressivamente, parece traduzir alguma cousa, que brilha lá dentro, lá muito ao fundo de outra cousa que não sei como diga, para exprimir uma parte canina, que não é a cauda nem as orelhas. Pobre língua humana! Afinal adormece. Então as imagens da vida brincam nele, em sonho, vagas, recentes, farrapo daqui remendo dali. Quando acorda, esqueceu o mal; tem em si uma expressão, que não digo seja melancolia, para não agravar o leitor. Diz-se de uma paisagem que é melancólica, mas não se diz igual cousa de um cão. A razão não pode ser outra senão que a melancolia da paisagem está em nós mesmos, enquanto que atribuí-la ao cão é deixá-la fora de nós. Seja o que for é alguma cousa que não a alegria de há pouco; mas venha um ,assobio do cozinheiro, ou um gesto do senhor, e lá vai tudo embora, os olhos brilham, o prazer arregaça-lhe o focinho, e as pernas voam que parecem asas."

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