O ocorrido no Rio de Janeiro, acidente de ônibus no qual passageiro e motorista trocaram socos antes da batida, trás a ponta de um iceberg de um problema muito maior do que o abordado.
Pra variar a imprensa e o senso comum já criminalizaram os dois envolvidos e aguardam apenas a prisão deles para que página do jornal se foque na próxima marca de sangue. Cadeia! Resolvido o problema.
Avaliando os fatos por trás do ocorrido, encontramos uma série de condutas criminosas omissivas por parte do Estado e da sociedade. O acidente mais é uma consequência dessas condutas omissivas do que o fato em si.
Vamos citar as condições de trabalho na qual se encontrava aquele motorista e na qual se encontram, agora mesmo, outros colegas de trabalho dele.
Verificou-se, o que não é surpresa, que a jornada de trabalho da classe ultrapassa treze ou quatorze horas diárias. Fora o trajeto que estes trabalhadores tem que fazer todo dia para se locomover ao trabalho e de volta pra casa.
Também é praxe que os horários de descanso, alimentação, lazer (porque não?) são relegados a segundo plano, e até mesmo inexistentes.
Já por parte do passageiro, desconhecemos a profissão dele, mas podemos supor que, alguém que está em um coletivo atravessando a cidade do Rio, seja provável que as condições, não só de trabalho que ele enfrenta diariamente, mas de existência, sobrevivência, não devem ser muito diferentes das do motorista do coletivo.
Resumindo, duas partes frágeis, restritos de acesso e de direito, sobreviventes da mesma rotina esmagadora que diariamente assola os moradores das grandes cidades.
Soma-se então a todo esse contexto, nossa cultura do medo, da violência, na qual nossos maiores ídolos esportivos da atualidade estão ligados à lutas como Anderson Silva, Wanderley Silva. Resolve-se na porrada. Pronto.
Por fim, a julgar pelo senso comum e essa vontade irrefreada de enfiar todo mundo em uma cela de cadeia, não sobrará uma só alma livre do cárcere nesse belo estado de direito.
Julgados, condenados por omissão e encarcerado estarão: o Estado, por não cumprir as leis trabalhistas, orgânicas das cidades, constitucionais, que garantem dignidade ao cidadão submetido às suas leis. A empresa, que como outras, abusa da exploração de uma mão de obra, praticamente descartável, cientes da existência outros trabalhadores desempregados prontos a assumir a vaga desse desesperado motorista. A sociedade, por estabelecer um julgamento moral vingativo, não solidário, que exige a garantia da aplicação da lei penal, mas não observa quantas leis, morais, penais, educacionais, foram antes infringidas com aqueles dois iguais, antes daquele fatídico momento.
Ainda, a minha prisão. Que tenho tempo de divagar sobre estes assuntos desprezíveis no meu horário de trabalho. Enquanto outros trabalhadores vivem na selva da rotina. Só lhes resta a breviedade da sobrevivência. Socam-se, chutam-se, atropelam-se, xingam-se. Jogam-se de viadutos. Uns aos outros. Ou logo dentro de um coletivo cheio de iguais. Um suicídio coletivo, ante as belezas que a vida lhes oferece dia a dia.
Leonardo S. Faria
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